‘Não! Não olhe!’ é terror esperto, mas abaixo dos outros de Jordan Peele
Filme tem a marca mirabolante do diretor e roteirista de ‘Corra!’ e ‘Nós’. Ele cria metáforas sobre o próprio cinema com momentos divertidos, mas é menos cativante que os anteriores.
Fonte: Rodrigo Ortega – G1
Enquanto o mistério dos dois primeiros filmes do diretor Jordan Peele era escondido e subterrâneo, o medo do novo longa está aberto e visível no céu. Mas o resultado de “Não! Não olhe!” fica abaixo de “Corra!” e “Nós”. Ainda é um terror esperto, mas menos certeiro do que os anteriores.
Tudo bem que o patamar de Jordan Peele é alto. Ele começou a carreira com ótimas esquetes de humor no programa “Key and Peele” e virou a melhor surpresa do cinema americano nos últimos anos ao fazer cinema cerebral e popular ao mesmo tempo.
Em “Não! Não olhe!” o cineasta mistura terror, western e ficção científica. Ele mantém três boas marcas:
- Um terror engenhoso, com uma construção complexa dos mistérios do início ao fim – no caso, objetos misteriosos no céu e a ameaça de animais na Terra.
- Um universo visual original, que se revela de forma inesperada ao longo do filme, aqui representado pelo “vilão” mais estranho do cinema nos últimos anos.
- Direção vibrante de atores. Os protagonistas Daniel Kaluuya e Keke Palmer têm uma empatia imediata e compartilham com os espectadores os sustos e risadas com as cenas absurdas.
Mas ele deixa pelo caminho duas características:
- A metáfora social clara, principalmente sobre o racismo. Aqui não há paralelos tão óbvios – o que não é um defeito do filme, mas uma diferença para os outros.
- A trama instigante, que te faz pensar naquela sacada por meses. Aqui ele amarra tantas ideias que, depois da resolução, o apelo fica perdido. A história de Ricky (Steven Yuen), em especial, fica sobrando.
Daniel Kaluuya e Keke Palmer vivem os irmãos OJ e Emerald Haywood, herdeiros de um rancho onde cavalos são treinados para filmagens em Hollywood. O pai deles, Otis (Keith David), morre após uma inexplicável chuva de objetos.
Ao buscar a explicação eles se juntam ao vendedor de eletrônicos Angel (Brandon Perea) e o fotógrafo de cinema Antlers Holst (Michael Winicott). O primeiro é um bom alívio cômico e o segundo representa a parte séria do filme de autor, que reflete sobre o próprio audiovisual e a cultura pop.
Ainda há o núcleo de Ricky Park (Steven Yeun), ex-ator mirim que passou pelo trauma do ataque de um macaco assassino em um set de filmagem e depois virou dono de um parque de diversões vizinho ao rancho, também afetado pelo mistério no céu. É tão mirabolante quanto parece.
Jordan Peele é ao mesmo tempo megalomaníaco e intimista, meio Steven Spielberg dos anos 80. O título original, “Nope!”, é uma expressão de que resume o jeito engraçado com que os personagens encaram o terror (do tipo “não é possível que isso está acontecendo”) e se perde na tradução brasileira.
Não falta encanto ao trio Keke Palmer, Daniel Kaluuya e Brandon Perea, mas outra figura fascinante é a do tal “vilão”, um ser que parece ter saído de um filme dos Trapalhões dirigido por David Lynch (mais do que essa definição seria spoiler).
“Não! Não olhe!” é o trabalho de Jordan Peele mais cabeçudo e mais convencional ao mesmo tempo. Não deixa de ser um bom filme e um façanha de Jordan Peele transformar uma epifania assim em um produto tão pop.