Fonte: Rafael Felizardo – Adoro Cinema

“Mas não existem Banshees em Inisherin…”

É possível dizer que a indústria do entretenimento audiovisual é uma entidade pragmática. Todo ano, essa criatura centenária vê seus principais títulos percorrerem o mesmo caminho: tem início em Sundance, passa por Berlim, desfila por Cannes, se apresenta em Veneza, faz uma parada em Toronto e, enfim, chega ao Globo de Ouro, aterrissando poucos meses depois no tão sonhado tapete vermelho do Oscar.

Em 2023, a coisa não poderia ter sido diferente. Apesar de um dos grandes destaques da temporada ter pulado algumas etapas e surgido diretamente em Veneza – onde foi aplaudido de pé por ininterruptos 15 minutos – a maestria do longa-metragem dirigido por Martin McDonagh o permitiu chegar com força ao Globo de Ouro – apenas para sair como o grande vencedor da noite. E rumo ao Oscar, Os Banshees de Inisherin se credencia a fazer história; agora, nos Estados Unidos, junto às estatuetas douradas mais famosas do cinema.

A trama de Os Banshees de Inisherin

Antes de entrarmos de vez em território cinematográfico, vale a pena entendermos onde historicamente Os Banshees de Inisherin se encontra. O filme se passa em 1923, nos momentos finais da guerra civil irlandesa, em uma fictícia ilha situada na costa oeste da Irlanda, cujo nome, Inisherin, realmente soa como um lugar verdadeiro. Apesar de no país os conflitos armados estarem acontecendo, o lugar se vê distante das mortes, tiros e explosões.

A partir de então, podemos falar de Pádraic (Colin Farrell) e Colm (Brendan Gleeson), dois amigos de longa data que veem seu relacionamento terminar por conta de uma decisão unilateral do último. Quase como em um passe de mágica, um dia, Colm acorda para pedir a Pádraic que não lhe dirija mais a palavra.

Sem entender o motivo por trás de um clamor que lhe parece arbitrário, Pádraic se coloca a tentar entender as motivações que levaram ao ato do amigo, determinado a tentar salvar um relacionamento que, por anos, foi o seu ponto de equilíbrio nesse longínquo lugar.

Filme tem personagens marcantes

Apesar de inegavelmente bom ator, a carreira de Colin Farrell é marcada pelos altos e baixos. Se em seu currículo o astro nos presenteia com obras como True Detective, O Lagosta e O Sacrifício do Cervo Sagrado; ao mesmo tempo, Demolidor – O Homem Sem Medo e Alexandre também se fazem presentes, em um movimento de gangorra famoso por marcar algumas estrelas de Hollywood. E sim, definitivamente, Banshee é mais um “alto”.

Pádraic é um dos maiores acertos do filme. Mostrando uma vulnerabilidade emocional difícil de encontrar na maioria de seus personagens, Farrell consegue fazer com que simpatizemos com um tipo de arquétipo que, normalmente, mantemos distância: o perdedor. Com uma atuação que a todo o momento busca microexpressões totalmente calculadas, o trabalho do astro em Inisherin é – ao meu ver – o maior acerto de sua carreira, transmitindo, nos pequenos maneirismos, grandes mensagens.

Da mesma forma, observar toda a exaustão do Colm de Gleeson é igualmente satisfatório. Enquanto Farrell interpreta um homem em constante busca de ser “o cara legal” da vila – como o próprio por diversas vezes coloca -, seu ex-amigo o completa não fazendo questão alguma de dar satisfação para o entorno, tomando, inclusive, caminhos drásticos que Pádraic só passa a entender com o decorrer da trama. Como Farrell, mais uma atuação digna de Oscar.

Ao analisar Os Banshees de Inisherin, é possível passar horas falando a respeito de seus personagens. Se Colm e Pádraic são os protagonistas responsáveis por construir o enredo, outras figuras como a Siobhan de Kerry Condon (a personagem mais lúcida de toda a trama), e o Dominic de Barry Keoghan (com um overacting que o lembra em O Sacrifício do Cervo Sagrado), dão o tempero necessário ao roteiro, tornando-se impossível de não serem citados.

Vale também, a menção honrosa a Jenny, uma asna que mesmo sem muito tempo de tela, tem a capacidade de conquistar os corações de quem a assiste.

Uma aula de roteiro

Inisherin conta sua história através dos pequenos detalhes. Com um roteiro como ponto mais alto do longa, passamos a enxergar com o tempo a própria ilha como uma personagem, responsável por apresentar um cenário com ar de fábula que afasta a guerra latente, mas exacerba seus próprios problemas. A todo o tempo provocando o espectador com pinceladas fantasiosas, o fato de terminarmos o filme com questionamentos a respeito da velha Sra. McCormack (Sheila Flitton) é proposital, o que acaba tornando a obra uma experiência ainda mais satisfatória.

De natureza igualmente genial, o longa se chamar “Os Banshees de Inisherin” pode ser considerado mais uma maneira ao qual Martin McDonagh encontrou de flertar com o mito. Para quem não sabe, na mitologia celta, Banshee era uma espécie de criatura responsável por trazer um agouro de morte – assim como foi feito pela Sra. McCormack, que “previu” uma certa tragédia a determinada altura da trama.

Dessa forma, podemos dizer que a ilha de Inisherin realmente apresenta “os” Banshees – no plural: nossa excêntrica velhinha, pelo motivo abordado acima; e a música que está sendo composta por Colm, ao qual ele faz questão de dar uma explicação completamente simplória para o nome.

Para finalizar, com grandiosas 9 indicações ao Oscar deste ano, pode ser que o longa saia da cerimônia sem nenhum troféu, mas isso de maneira alguma seria demérito para a obra; uma das grandes produções da temporada e que, com toda a certeza, recomendo para todos que estiverem a fim de assistir um filme que conta uma fábula de maneira não-fantasiosa.

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