Crítica | Rivais segue a deixa do tênis para encontrar energia que está em falta no cinema
Do saque ao match point, Luca Guadagnino mostra que é craque em “criar um clima”
Fonte: Caio Coletti – Omelete
A fama de “esporte chato” do tênis é compreensível, embora qualquer fã do jogo que se preze tenha uma lista de contra-argumentos para rebater. As partidas são longas, a maior parte dos pontos disputados não importa de verdade. É um esporte de resistência física e psicológica – o que não se traduz facilmente como espetáculo. Trata também de conexão, de busca incessante (e frequentemente infrutífera) por uma conversa entre jogadores. “É um relacionamento”, aponta Tashi (Zendaya) em certo ponto de Rivais, e o filme sabe que ela está certa – um relacionamento de olhares e gritos arremessados de um lado para o outro da quadra, de histórias pregressas se cruzando e sendo jogadas para o alto diante do tête-à-tête daquele único momento de tensão.
Esse é o tênis que Luca Guadagnino mina incessantemente em Rivais, a fim de extrair o que anda em falta no cinema: a eletricidade dos relacionamentos humanos atirados na tela. O cineasta de Suspiria e Me Chame Pelo Seu Nome entende, acima de tudo, que o roteiro do estreante Justin Kuritzkes vive e morre por esses relacionamentos, que ele só funciona se nos transmitir a tensão indizível da conexão entre essas pessoas, emaranhadas como estão em narrativas culturais de sucesso, fracasso e qualquer coisa que exista no meio do caminho. Vê-los se prender, se perder e se libertar dessas ideias, das neuroses psicossexuais e de performance criadas por elas, é onde reside o interesse de Kuritzkes nessa história – mas está nos ombros de Guadagnino fazer com que nos interessemos também.
Como bom curador de talentos, o cineasta sabe exatamente quem trazer para perto de si para criar esse clima. Trent Reznor e Atticus Ross, por exemplo, se mostram figuras chaves ao prover uma trilha sonora inspirada no eurodance noventista, que Guadagnino emprega sem nenhuma sutileza e muitas vezes no contratempo da narrativa. Diante dos picos e vales de uma trama que serpenteia pelo histórico de um triângulo amoroso, Rivais apela para os sintetizadores de Reznor & Ross como um truque admitidamente barato, mas inegavelmente energizante – quando o filme sobe o volume da trilha, sabemos que é hora de endireitar a postura e prestar atenção.
Por sorte, Guadagnino tem outras cartas na manga para justificar esse “susto”. Está nas mãos de dois colaboradores prévios do cineasta, o diretor de fotografia Sayombhu Mukdeeprom e o montador Marco Costa, a missão de encenar os jogos e as conversas entre os protagonistas com a mesma verve cortante. De sua parte, Mukdeeprom procura penetrar as perspectivas dos personagens sempre que possível, seja com uma tomada em primeira pessoa durante um jogo ou com o registro pontual de uma dinâmica corporal – os pés de Mike Faist e Josh O’Connor emaranhados, puxando-se mutuamente na direção um do outro, quando os dois se sentam em uma bancada, a velocidade angustiante dos movimentos de Zendaya e O’Connor dentro de um carro durante um tufão, e por aí vai.
Já Costa mostra dexteridade ao concentrar todos esses registros e criar com eles uma linguagem que abraça a vulgaridade do comercial de TV e da pornografia softcore sem precisar fazer qualquer coisa além de sugerir os aspectos mais lascivos de ambas as modalidades. Não é o caso de dizer que Rivais se agarra ao cinema de prestígio ou suaviza o seu conteúdo para caber no palato limitado de um público específico – é só que ele se diverte muito mais sublimando os seus impulsos (os eróticos e os marketeiros), represando a energia deles para liberar na forma de embate verbal, de porrada de raquete na bolinha, de dança entre corpos frustrados em cima da cama de casal, no banco de trás do carro, e na quadra de tênis.
Rivais é melhor por não nos mostrar (quase) nada, e talvez esteja aí a maior lição que Guadagnino tira do tênis, ao invés de do cinema. De um esporte que se resume tantas vezes à explicitação das entrelinhas, à criação de uma narrativa que existe quase em paralelo ao que de fato acontece na quadra, ele fez um filme que acha sua força, mina sua angústia e seu prazer, do subentendido – e talvez a performance de seu trio protagonista seja o que deixa isso mais claro. Da fleuma dissimulada da atuação de Zendaya à profunda necessidade de desresponsabilização que mora nos olhos de Mike Faist, passando pelo sorrisinho torto com o qual Josh O’Connor assume o papel de cafajeste, sem nunca abrir mão de sua busca por validação… o elenco de Rivais reside inteiramente nos silêncios onde se encontra a humanidade.
E talvez por isso seja tão absolutamente sensacional (não existe outra palavra) assistir aos encontros e desencontros deles culminarem em um jogo de tênis. Que Rivais termine com o que espectadores menos entusiásticos chamarão de “final aberto”, mas não deixe nenhum gostinho de “quero mais”, é testamento ao fato de que a história de verdade está acontecendo por baixo da superfície. É um relacionamento, diria Tashi, segundos antes de soltar um grito gutural de euforia.