Fonte: Beatriz Amendola – Omelete

Em certo momento de A Pior Pessoa do Mundo, a protagonista Julie (Renate Reinsve) reflete sobre seu aniversário de 30 anos e tudo o que suas antepassadas já haviam vivido ao chegar nessa idade: casamentos, divórcios, filhos, carreiras… até um passado distante em que as pessoas mal completavam três décadas de vida antes de morrer. Em comum a todas, parece haver um certo senso de definição, o que falta na vida de Julie, em tempos de mil possibilidades.

A protagonista, afinal, tem uma jornada marcada por indefinições: ela começa o filme como estudante de medicina, decide estudar psicologia, para por fim se dedicar à fotografia, e acaba por aceitar um emprego em uma livraria enquanto flerta com uma possível carreira de escritora. Isso se estende também, em certo grau, a sua vida amorosa: enquanto Julie navega seus relacionamentos com o cartunista Aksel e o barista Eiwind, fica claro que cada um apela a partes diferentes de sua personalidade; e a escolha de qual lado privilegiar é uma que vai, inevitavelmente, afetar seu presente e seu futuro.

A força do filme do cineasta norueguês Joachim Trier é que ele reconhece essas indefinições como partes intrínsecas do viver e oferece um retrato sensível e honesto do que é ser um jovem adulto nos dias de hoje, com todas as inquietações e angústias envolvidas no processo. E ele o faz sem moralismo: a jornada de Julie não existe para ser um modelo de certo ou errado; ela apenas existe, como a de todos nós, e traz consigo as emoções genuínas que experimentamos a cada dia.

Nesse espírito, o roteiro assinado por Trier em parceria com Eskil Vogt oscila naturalmente entre o drama e a comédia, e ainda brinca com o lúdico, a exemplo da sequência memorável em que o mundo literalmente para quando Julie experimenta aquele arroubo de paixão que é típico de um início de namoro, como se nada mais importasse.

Mas o sentimento subjacente que permeia A Pior Pessoa do Mundo, mesmo em seus momentos mais tristes, é o de esperança. Apesar de reconhecer que as decisões que Julie precisa tomar são, muitas vezes, opressivas e assustadoras, a história mostra que elas não necessariamente têm o peso com que as encaramos antes – e tudo bem.

O filme é elevado pela interpretação de Reinsve, premiada como melhor atriz no Festival de Cannes em 2021. Ela constrói uma Julie que não é perfeita, mas é extremamente cativante, e contém em si uma multiplicidade de emoções que vão escapando cena a cena.

O conjunto torna A Pior Pessoa do Mundo um filme profundamente relacionável: os dilemas de Julie são tão universais quanto a preocupação de olhar para trás e ver como a vida de nossos pais estava “resolvida” quando eles tinham a nossa idade, o que quer que isso signifique.

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