Fonte: Julia Sabbaga – Omelete

Desde a primeira cena de Bela Vingança, quando vemos Cassandra (Carey Mulligan) de braços estendidos, como uma figura santa crucificada, supostamente bêbada em uma balada, o filme de Emerald Fennell escancara seu desprezo por sutilezas. Seja na construção imagética de nossa protagonista como um anjo vingador – Cassandra é persistentemente retratada como uma figura angelical pela câmera – ou pelo diálogo entre seus predadores, um grupo de homens que observa Cassandra em sua vulnerabilidade, Bela Vingança não faz a menor questão de construir elementos mais subjetivos.

Aqui tudo é direto, e por isso até toca o clichê. Mas muito do apelo do filme de Fennell está em sua acessibilidade e honestidade. É difícil refutar conversas como as de Bela Vingança. “Temos que dar aos homens o benefício da dúvida”, “mulheres assim estão pedindo” e frases tradicionais como estas permeiam o filme do mesmo modo que já soaram, repetidamente, em nosso cotidiano.

Por isso, o principal apelo de Bela Vingança rapidamente se vira à embalagem meiga da bala ácida, uma estética bonita de ver, que transparece o divertimento dos bastidores. A obra de estreia de Fennell soa como uma risada travessa, um filme que parece um som pop dos anos 2000 (e inclusive confia nessa sonoridade), recheado de uma temática sombria.

Em Bela Vingança, Cassie tem uma vida dupla, em que trabalha como atendente de um café, mas durante a noite vive de desmascarar os auto-intitulados “caras legais”. Fingindo-se de bêbada e estilizada em diferentes personalidades femininas a cada noite, Cassandra se deixa ser levada para surpreender os que tentam abusá-la em sua suposta embriaguez. A jornada de vingança – provocada por um trauma dos tempos de faculdade – se torna ainda mais objetiva e cruel quando ela parte em um plano cujo alvo são seus antigos colegas.

Isso tudo segue os passos da história de vingança tradicional, mas temperada por um sentimento quase sagrado, uma energia que não escapa de paralelos bíblicos ou, claro, da mitologia grega que deu a Cassandra seu nome. Nossa protagonista é uma que vive com o fantasma de não ter sido acreditada, e sua batalha pela vingança é inescapável, e trará ruína aos seus descrentes. O truque de Fennell é fazer tudo isso soar moderninho, e a combinação não poderia ter funcionado melhor.

Carey Mulligan está absolutamente irretocável como Cassandra, muito porque é difícil saber o que esperar da atriz inglesa. Seu charme meigo, e sua já conhecida habilidade de atuação, entregam à personagemum olhar enigmático que poucas conseguiriam traduzir. Quando se fala de escalação de atores, inclusive, Bela Vingança também se diverte trazendo ídolos masculinos de produções clássicas como os tradicionais “caras legais”. A ideia é partir corações, e é isso mesmo que Fennell realiza.

Mesmo depois de dizer tudo isso, é preciso enfatizar que é difícil discutir Bela Vingança desviando de spoilers. Os últimos vinte minutos do filme de Fennell são essenciais para martelar de vez sua ousadia e sagacidade, e sua obra não seria ótima se não fosse por sua desconfortável empreitada conclusiva. Existe uma proeza admirável em entregar um final tão brutal fazendo com que ele soe tão poderoso. Não havia outro fim para a história de Cassandra. Por mais cruel que o desfecho possa soar, seus resultados são tão necessários quanto perfeitamente vingativos.

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