Uma belíssima história sobre como o DNA pode ou não fazer parte do que define uma família, e como as escolhas sobre isso estão sempre envolvidas em belas reflexões.

Fonte: Denis Le Senechal Klimiuc – Cinema com Rapadura

Quando o patriarca de uma família francesa morre, sua vida inteira parece despedaçar-se diante dos membros que lhe prestam as últimas homenagens. Assim, Emir Fellah (Omar Marwan), que já estava em estado avançado do Mal de Alzheimer que lhe acometeu nos últimos anos de vida, recebe a derradeira visita de seus familiares, já compostos por filhas, netos e bisnetos. O ar sereno de quem passou os momentos restantes com o neto que criou, Kevin (Dylan Robert) se despede do patriarca, assim como sua vida. É com essa grande e universal química que “DNA” começa.

Pois, muito mais do que um filme sobre a família remanescente de Emir, a história é um mergulho em suas origens, na Argélia, e sobre como construiu sua família na França, após ser exilado no país aos 22 anos de idade. Assim, suas filhas, netos e bisnetos retornam ao hospital no qual estava vivendo nos últimos tempos para prestar-lhe uma última homenagem, em uma corrente de orações que é apenas o início do que se tornará o grande conflito do longa: como se despedir de alguém tão plural quanto Emir?

Além disso, uma de suas netas, e talvez a que mais sentiu sua partida, além de Kevin, Neige (Maïwenn) é uma das peças centrais, que causa o equilíbrio e, também, o caos. Pois, a partir da morte do querido ente, a família inteira se envolve nas decisões acerca do que fazer: será cremado, como gostaria? Onde será a cerimônia? Apesar de não ser muçulmano, farão algo em uma mesquita, respeitando suas origens? Qual o material do caixão? E o tecido? Com qual roupa Emir será cremado? Para cada uma das perguntas, novas surgem e há discussão sobre todas elas.

Porém, apesar de homenagear alguém que abraçou a pluralidade cultural, metaforicamente na figura de Emir, este filme é um grande diálogo entre as novas gerações e suas origens, sobretudo na Europa, cada vez mais miscigenada. Com isso, Neige quer tirar sua cidadania argelina, como a mais forte ligação que poderia ter com o avô, e também quer descobrir quais outras nacionalidades estão em seu DNA. Portanto, em um caminho difícil de superação ao luto, a protagonista desta história parece ter papel fundamental em cada membro de sua família, como a ligação do sangue de sua origem até o presente.

Assim, Maïwenn, que também é diretora e roteirista (esta função junto de Mathieu Demy), abraça uma história tão verdadeira quanto orgânica, que se torna atemporal porque dialoga com o mundo inteiro, e não apenas com a cada vez maior pluralidade cultural francesa. Por isso, seu filme é fundamental como uma espécie de ponte que permite aos intolerantes, quem sabe, compreender os porquês dos questionamentos sobre a origem de cada um, e um dos grandes méritos do longa é fazer isso com os dois extremos políticos da França, nas figuras dos familiares da protagonista. Aliás, outro mérito é tornar essa difícil etapa de superação algo leve, repleta de humor.

O roteiro é muito bem amarrado entre seus três arcos, que vão da dor do luto, passando pela necessidade de superação e pelas descobertas da árvore genealógica, atingindo, enfim, o reencontro de Neige com suas origens. E, além de tornar esse caminho orgânico, a diretora faz questão de escolher, dentre as diversas origens de Neige, a Argélia como principal razão de suas buscas, usando o avô como ponto de partida, mas, como a relação entre os países sofre há anos, foi uma decisão política bastante assertiva.

Além de tudo, Maïwenn escolheu um elenco primoroso, que consegue transitar com naturalidade entre o drama pesado e a comédia ao melhor estilo francês: Fanny Ardant, Louis Garrel, Marine Vacth, Caroline Chaniolleau, Alain Françon e Florent Lacger, entre outros, transformam as relações familiares em verdadeiros encontros explosivos, ainda que repletos de amor. Com isso, a diretora traz ao mundo, com este “DNA”, uma história regada de ternura, mas que se aprofunda nas raízes de um país tão complicado. Afinal, como a França, aquela família é miscigenada e, portanto, composta por raízes tão diferentes quanto importantes para a sua existência. Só falta a ela reconhecer, superar e ser feliz.

Assista ao Trailer:

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