O início de Infiltrado surpreende por se diferenciar consideravelmente dos demais longas de Guy Ritchie.

Fonte: Fernando Campos – Plano Crítico

Um dos elementos frequentes na filmografia de Guy Ritchie é a abordagem sobre dinheiro. Especialmente em Snatch, Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes e Magnatas do Crime, acompanhamos o rastro de sangue deixado pela ganância e o mercado do crime que surge através disso, como a venda de drogas ou apostas. Até mesmo nos dois Sherlock Holmes, os antagonistas são homens buscando posse e poder. Portanto, a ruína dos personagens de Ritchie ocorre quando almejam dinheiro, da mesma forma que deixar isso de lado significa uma libertação, como em Revólver.

Em Infiltrado, nova produção de Guy Ritchie, o dinheiro surge novamente como peça chave da história, mostrando pessoas responsáveis por proteger o transporte do capital, funcionários de uma empresa de carros-fortes, enquanto outros tentam roubá-lo. No longa, vemos Harry (Jason Statham), um homem misterioso que passa a trabalhar em um carro-forte que movimenta grandes quantidades de dinheiro diariamente. Ao passar por uma tentativa de assalto, Harry neutraliza a situação mostrando notável habilidade em combate, chamando a atenção dos colegas e das autoridades sobre quais as reais intenções dele nesse emprego.

O início de Infiltrado surpreende por se diferenciar consideravelmente dos demais longas de Guy Ritchie. Conhecido por uma assinatura visual marcante, especialmente na criação de um ritmo frenético, a obra começa com um tom sombrio e uma introdução tradicional. Utilizando como recurso o primeiro dia de Harry no trabalho, o roteiro apresenta o protagonista como um homem solitário e de poucas palavras, mas que causa impacto quando fala. Já a direção de Ritchie estabelece uma atmosfera igualmente sombria. A direção de arte e os figurinos vestem o filme de preto, criando um tom de luto. Já a fotografia não economiza nas sombras, criando não só sensação melancólica, mas inteligentemente evoca a dualidade daquele universo de pessoas infiltradas, como se todos tivessem algo a esconder.

O diretor ainda surpreende por construir uma ação mais direta e uma violência realista e menos exagerada, que funciona dentro da proposta sóbria do longa. Ademais, experiente já em papéis do tipo, Jason Statham protagoniza o filme com o charme e energia necessários em um filme de ação. Ele constrói um personagem durão, sem deixar de ser atraente para o espectador, e deixando claro que existe um passado doloroso para o personagem pelo semblante fechado e voz fria.

Portanto, o primeiro ato acerta nas introduções e construção de universo. O clima sombrio cria a curiosidade necessária para o público comprar a proposta e tentar decifrar as intenções dos personagens. Porém, quando o filme tenta se explicar, os problemas aparecem. A experiência é imensamente prejudicada por um segundo ato exageradamente expositivo. A ação que funciona é substituída por momentos de diálogos sem profundidade. Com a intenção de criar surpresa, o roteiro quebra o ritmo da narrativa ao apresentar novos personagens, figuras essas que poderiam ter sido mostradas em uma cena curta, sem a necessidade de tomar muito tempo, até porque pouco acrescentam dramaticamente. Não há sentido em acertar na construção do protagonista para deixá-lo de lado na metade do filme.

No entanto, o longa recupera o fôlego na parte final. Ritchie entrega um clímax competente, marca registrada do diretor que se repete aqui. A montagem costura linhas do tempo diferentes para culminar em um grande evento que une todas elas, resultando em uma longa, sangrenta e bem elaborada sequência de ação. Já o desfecho acertadamente remete a westerns, inclusive pela presença de um ator específico, adicionando significado às motivações de Harry. Como nos faroestes, às vezes, os motivos pessoais transcendem o financeiro. Há sensações que o dinheiro não paga, como a vingança.

Guy Ritchie tenta construir em Infiltrado um longa diferente dentro de sua filmografia estilizada. Os exageros visuais, humor ácido e ritmo intenso são substituídos por um longa com atmosfera sombria e uma ação mais direta. Não fosse o segundo ato deslocado, a obra certamente entraria na lista de melhores do diretor, ainda que funcione. Aqui, é a mensagem sobre dinheiro que se assemelha aos demais trabalhos de Ritchie, mostrando como as consequências de um mundo ganancioso, em que capital vale mais do que vidas, acaba gerando um ciclo de violência em que todos são atingidos.

Publicações recentes

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  +  57  =  61