Em seu primeiro longa-metragem, ‘Medida Provisória’, Lázaro Ramos entrega mais do que o esperado

Fonte: Nalu Xavier – Ana Maria/UOL

“Desesperador”. Esta é a palavra como eu descreveria ‘Medida Provisória’, de Lázaro Ramos. Isso porque o ator, que fez sua estreia como diretor de longas-metragens, mostrou que não está de brincadeira. Com técnicas e olhar artístico, o ex-contratado da TV Globo tornou seu filme, com menos de uma semana de exibição, a segunda melhor estreia nacional de 2022 em relação ao faturamento de bilheteria.

A adaptação da obra teatral brasileira chamada Namíbia, Não!, de Aldri Anunciação, feita por Lusa Silvestre, Lázaro Ramos, Aldri Anunciação e Elísio Lopes Jr. resultou em um roteiro sem furos, que não se trata de pura “militância”, mas uma crítica social completa.

DIREÇÃO

Todo esse movimento acontece sob o olhar cuidadoso e extremamente crítico de Lázaro Ramos e sua equipe, majoritariamente de negros – a frente e atrás das câmeras, reunindo o maior número de negros na trajetória do cinema brasileiro.

A sutileza de detalhes cinematográficos do principiante impressiona até veteranos. Lázaro usa da linguagem audiovisual meticulosamente com closes, escadas e morros representando ascensão ou decadência de determinados grupos sociais, além de grades nas janelas dos apartamentos e na porta do prédio onde maior parte dos personagens negros moram.

Câmeras não estáveis, que acompanhavam o movimento dos personagens – como se nós estivéssemos juntos – racismo retratado com um toque de sátira, o alívio cômico trazido pelo personagem de Seu Jorge e cenas de violência, retratadas apenas com gritos, formaram uma mistura perfeita para fazer o telespectador sentir-se angustiado e desejando por respostas.

Se for para apontar um aspecto negativo, que de fato não atrapalha, eu diria que Lázaro pecou pelo excesso de closes desnecessários. Em muitas cenas, o diretor deu maior destaque a detalhes que não fazem diferença, sendo esta a maior função do close. No entanto, passa batido.

ELENCO

‘Medida Provisória’ reúne um elenco de milhões: Alfred Enoch – famoso por seus personagens em ‘How To Get Away With a Murder’ e ‘Harry Potter’ –, Taís Araújo, Seu Jorge, Adriana Esteves, Renata Sorrah, Mariana Xavier e os estreantes Tia Má e Emicida.

Meu destaque aqui vai para a atuação perfeita, natural e emocionante de Taís Araújo, que, como sempre, faz o público sentir exatamente o que alguém na situação em que sua personagem está sentiria.

Alfred Enoch também merece estar sob o holofote. O ator, que é filho de pai britânico e mãe brasileira, não tem o português como primeira língua e, mesmo assim, atuou e entregou emoção, como se aquela não fosse sua primeira vez interpretando em outra língua, que não o inglês.

ATENÇÃO AOS PEQUENOS DETALHES

Todo o enredo do longa gira em torno da tal “medida provisória: um, oito, oito, oito”, sacada genial! 1888 foi o ano em que os escravos foram “libertos” da escravidão por meio da Lei Áurea assinada pela Princesa Isabel. Acontece que essa liberdade aconteceu só nos papéis. Não houve nenhum tipo de apoio social e econômico à classe social que, depois de anos – séculos – vivendo no Brasil, trabalhando sem remuneração, se viu “largada” e marginalizada.

O filme de Lázaro Ramos trás o assunto para os dias atuais e futuros, de um Brasil que afirma lutar por igualdade, mas é cheio de racismo escrachado e estrutural.

Com uma só frase, o personagem de Alfred Enoch explica a importância das cotas. Com poucas palavras, a Capitu de Taís Araújo define a sensação que é ser mulher preta no Brasil e, com um poema lindo, Seu Jorge emociona ao falar da cor de sua pele.

Exausto, confinado há dias em seu apartamento, vendo pela janela toda a violência, Antônio explode e grita: “Esse país é meu também”. E esse se torna um dos emblemas, em minha opinião, do filme. O Brasil é de quem? Se é de todos, porque tanta diferença social? O Brasil distópico de Lázaro Ramos é tão distópico assim? “Em algum lugar do futuro” pode estar perto?

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